CAPÍTULO II (Parte I)


     Ao som das Ninfas possuidoras da Runa Voz, que entoavam o mais triste e belo cântico de melancolia, sem dizer uma só palavra, todos os membros do Conselho puseram-se a caminhar em direção à Rainha Viúva: Homens, Elfos, Ninfas, Feiticeiras, Castos, Anões, Xunguizins, Trasgos, Gigantes, Bardos e tantas outras raças representadas no Conselho por seu maior guerreiro, escolhido pelas características peculiares que lhes davam o direito de ser admirados e respeitados por todos.

     A viúva Estella sentou-se na poltrona que, em outra ocasião, esteve ocupada por seu fiel e puro marido, como era denominado o companheiro na língua humana. Seus olhos vermelhos e vazios aguardavam a chegada de todos os guerreiros, inclusive, de seu próprio filho, Elbron, chamado de temerário entre seus companheiros de mesa. Aquele que, talvez, fosse o único não-merecedor de compor o Conselho, mas, ainda assim, estaria ali dentro de instantes, para tentar assumir a posição de novo Rei Superior, e isso amargurava ainda mais o coração da viúva.

     O homem Elbron foi o último a subir, observado por todos, como era de se esperar. O filho do Rei Superior estava chegando. Perdeu o pai e ganhou o reinado. Herdaria ou não o pesado fardo de responder por todos no Mundo das Runas? Seria responsável o suficiente, como fora seu pai e seu avô? Teria coragem, sabedoria e humildade para entender que cada runa componente da mesa deveria ser respeitada, bem como a opinião de cada membro do conselho?

     - Filho do Rei Hustin - disse o Bardo Amadeus –, sente-se, para que seja possível iniciarmos.

     - Hei de me sentar sim, Amadeus, depois de falar a sós com minha amada mãe.

     - Não sejas tolo – disse, tênue, a Ninfa Janass. – Todos nós sabemos do que devemos tratar neste momento.

     - Elbron, filho de Hustin – tomou a palavra o Gigante Oromedon; ao ouvir sua voz, os céus responderam com nuvens e ventania. – Devemos começar o quanto antes. Temos muitos temas importantes a tratar.

     - Mas que diabos temos que tratar, que não pode esperar um quarto de badalada?

     Tal badalada que havia mencionado era uma das muitas criações dos feiticeiros. De alguma forma, eles conseguiam medir o tempo e, junto aos gnomos, fizeram o que se podia chamar de Ónis Gnomon, que nada mais era do que um objeto que projetava a sombra no relógio de Sol.

     - Fale, filho – pronunciou, pela primeira vez, a viúva do Rei Hustin.

     - Mãe, é crucial que estejamos sozinhos.

     - Maldito seja... – disse o elfo, interrompido pelo Casto, que o reprovou com um simples olhar.

     Não fazia parte do procedimento Runário que companheiros da mesa do Conselho Superior tivessem desavenças. Todos eram, em sua maioria, justos. Os que não possuíam o dom da justiça eram dotados do silêncio, da humildade ou do respeito mútuo, graça às runas, que compunham – todas juntas – o conselho Runário. Elas, portanto, cediam aos componentes da mesa grande parcela de seus poderes, para que as escolhas importantes pudessem ser feitas com seriedade. Mas a situação mudara. O Rei Superior estava morto e a decisão mais importante seria tomada sem nenhuma intervenção das runas. Os componentes deveriam escolher o sucessor conscientes de que seu caráter estava à mostra.

     A branca viúva vestida de preto levantou-se com certa relutância. O Homem Elbron esticou-se para assegurar sua estabilidade e acompanhou-a até o Jardim de Efeso, o mais belo de toda Runária.

     - Meus pêsames – disse Elbron. – Sei que está difícil para a senhora. Eu queria poder lhe dar um abraço em sinônimo de compaixão.

     - Poupe-me de sua falsidade, meu filho. Quem deveria parecer um pouco mais triste era você, pela perda de seu pai. Mas, ao menos, consegue disfarçar o quanto está satisfeito.

     - Ele nunca foi o pai que eu precisei! – virou as costas à mãe, a provar mais uma de suas atitudes sem nenhum princípio edificante.

     - Você também jamais foi o filho que ele mereceu. Audacioso, nunca soube fazer-se guerreiro de verdade – ela tocou o ombro do homem. - Olhe nos meus olhos enquanto falo contigo, meu filho. Vai dizer que não mereço o seu respeito? Você deseja que eu vote pelo seu direito de sucessão ao trono Superior de Runária? Não acredita mesmo que possa merecê-lo, acredita?

     Os olhos amargos de Elbron caíram ao chão. Ele sabia que não merecia, mas desejava-o como jamais imaginou desejar. Queria possuir o reino mais do que queria possuir as runas da força, da paixão e do poder, juntas. Sua família jamais conseguiu possuir alguma delas, tinha apenas a runa da mente. Mas isso não era justo, ao menos, não a Elbron, tão ganancioso por poder, que parecia não pertencer àquela raça. Não valia a pena ter uma runa que o forçava a pensar, se as feiticeiras já possuíam a esperteza, os gigantes, a força, e os Castos, a integridade. Eles não tinham que buscar o conhecimento para serem diferentes, eles tinham o poder nas mãos; era aprender a usá-los ou nascer com o dom.

     - Eu não sou o que você pensa – disse Elbron -, eu posso ser justo e íntegro, se quiser. Posso ser forte e fazer as pessoas me amarem. Não preciso de runas ou de reino.

     - Então, filho de Hustin, prove isso ao Conselho. Se queres cativar alguma coisa, senão a repulsa, prove agora.

     Estella, filha da Ninfa Cleodora, esboçou um sorriso amargo e caminhou suavemente pelo Jardim de Efeso, levando consigo algumas folhas secas, que se enterneciam pela morte do Rei, mais verdadeiramente que o próprio filho, que deixava para trás.

    §§§

     O Conselho Superior pôs-se de pé em frente à mesa redonda, que era composta pelas runas de suas raças, quando viu que a Rainha Estella se aproximava. Era hora de começar a reunião, de escolher quem seria o próximo Rei a se assentar sobre a Cadeira Sagrada, o qual deveria compor, pessoalmente e sem influência da runas, a maioria das qualidades que elas poderiam dar ou, ao menos, as mais decisivas delas: Justiça, Humildade e Sabedoria.

     - Conselho Superior, Conselho Inferior, nobres castos e cidadãos de Runária – disse a Rainha -, demos por iniciada a reunião do Conselho Principal que será responsável pelo futuro da Cadeira Sagrada, sobre a qual, em respeito ao último desejo do Rei, me assento humildemente, bem como pelo futuro de nosso querido planeta.

     Nesse momento, um murmúrio baixo e indecifrável surgiu, rompendo a apatia do Conselho. E logo o rumor foi tornando-se num coro entoado por línguas diferentes, mas perfeitamente compreensíveis. O povo se encontrava do lado de fora da câmara principal do Conselho Superior e colaborava pela última prece; cada um do seu jeito, com seu idioma, que, num feito único, parecia combinar-se por todos.

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Autor: Gisela Santanna.
Adaptação:
Revisão: Isie Fernandes. 
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