CAPÍTULO II (parte II)


     Nesse momento, um murmúrio baixo e indecifrável surgiu, rompendo a apatia do Conselho. E logo o rumor foi tornando-se num coro entoado por línguas diferentes, mas perfeitamente compreensíveis. O povo se encontrava do lado de fora da câmara principal do Conselho Superior e colaborava pela última prece; cada um do seu jeito, com seu idioma, que, num feito único, parecia combinar-se por todos.

§§§

     Quando o povo runário finalmente abrandou suas lamentações, um dos nobres castos da raça dos xunguizins com cerca de 420 luas, 32 anos runários, aproximou-se da Cadeira Sagrada e entregou o Livro das Assinaturas do Conselho Superior à Rainha Viúva.

     - Antes de iniciarmos a sessão de assinaturas do decreto oficial, desejo, como representante legal da minha raça, e também do Conselho Superior de Runária, manifestar meu posicionamento quanto à ocupação do trono.

     A rainha Estella, notoriamente abalada por ter que dizer tais palavras ainda diante do corpo morto do rei e esposo, respirou profundo, levantou os olhos vazios e inchados por muito chorar à direção da sub-bancada Superior, composta pelos anciões nobres do palácio, os castos, e se pôs a falar:

     - Nobres, reis, rainhas, príncipes e princesas. Povo de Runária, todos vós bem sabeis que já não sou uma jovem com vigor suficiente para governar em lugar de nosso senhor, o Rei Superior Hustin, escolhido por sua bravura e destinado a ocupar o Trono Sagrado por 130 luas, dez anos runários. Por lei, torno-me sucessora do meu nobre esposo, mas temo que, assim como ele, venha a deixá-los órfãos em muito pouco tempo.

     Ouviu-se um confuso e crescente murmúrio que corria de fora para dentro da sala do Conselho Superior. Outra vez, a Rainha Stella respirou fundo, como se tentasse sustentar seu fôlego apenas pelo tempo de um breve discurso, e voltou a encarar os nobres castos da sub-bancada.

     - Silêncio na sessão! - reclamou Athlas, Ancião Superior dos castos, e todos, à uma, calaram-se. - Que prossiga a Rainha Estella.

     - Obrigada, nobre Athlas. - ela tomou um novo gole de ar e, com os olhos marejados, voltou à palavra: - Sobre minha raça, governarei até que parta desta vida ao encontro do Rei Hustin; mas, sobre Runária, pelas próximas 38 luas, tempo que resta sobre o Trono Sagrado ao governo dos humanos, não poderei reinar.

     O povo levantou suas vozes, formando um verdadeiro alvoroço e fazendo os olhos do ordeiro Athlas saltarem na direção do ancião representante dos membros do Conselho Inferior, que gritou aos seus subchefes e todos no recinto e em redor da sala foram controlados.

     - Segundo a lei da hierarquia da nossa raça, após minha morte, o trono dos humanos ficará sob o governo do príncipe herdeiro, o filho primogênito do Rei Hustin, Elbron.

     A rainha fez uma pausa, parecendo-lhe o sentido embaralhar por uma repentina tontura. Óiaaeu, o casto xunguizin que havia lhe entregado o Livro das Assinaturas do Conselho Superior, retornou para dar-lhe uma taça de prata cheia d’água. Estella tomou um pouco do líquido, mas não se deteve por muito tempo, agradeceu ao nobre com um sorriso forçado e continuou:

     - Sem mais prolongamentos, solicito ao nobre Athlas que presida em meu lugar a sessão de escolha do novo Rei Superior de Runária - mais uma vez, formou-se um crescente burburinho. Contudo, a Rainha Viúva não se intimidou. - Eu, a Rainha Estella, esposa e sucessora do Rei Hustin, manifesto diante dos Conselhos Superior e Inferior, diante dos nobres castos e de todo povo aqui presente, que o governo da raça humana, devido à desgraça que alcançou sua casa, renuncia agora o direito de prosseguir assentado sobre o Trono Superior de Runária.

     Após o tumultuado murmúrio pela chocante revelação, o silêncio estabeleceu-se sobre todos naquela sala. Com a ajuda de Athlas, a Rainha Estella assinou o decreto e retirou-se amparada pelo nobre casto xunguizin que desde o início a ajudara. Enquanto a rainha humana caminhava quase cambaleante às recâmaras do Palácio Superior, era acompanhada pelo sombrio olhar do príncipe herdeiro, seu próprio filho, o terrível Elbron.

  §§§

     Os castos, serventes leais do Palácio Superior e portadores da Runa da Integridade, diferente dos demais povos de Runária, não eram uma raça. Por decreto de Séden, o antigo grande profeta que vivera 12.978 luas, mais de 995 anos runários, todo décimo segundo primogênito de cada raça sobre a face do reino deveria ser separado e consagrado ao serviço mais nobre de toda a nação: os cuidados do Palácio Superior, bem como de seus representantes, os membros do Conselho Superior. Athlas, atual ancião casto, era filho da casa de Mileani, rainha dos Dismeons, e tinha, junto a seus onze príncipes, filhos de raças diferentes, pois o número doze fora instituído por Séden como símbolo da perfeição runarial, presidia as ordens organizacionais do Palácio e possuía o direito de julgar a integridade das ações do Conselho Superior. Caso houvesse divergências nas reuniões do Conselho, o ancião Superior dos castos decidiria a questão com seu voto de Minerva.

     - Demos continuação à solene escolha do nosso novo Representante Superior - disse o nobre Athlas. - Enquanto é passado o Livro das Assinaturas aos membros do Conselho Superior, rogo-vos que se apresentem diante da tribuna, todos os candidatos reais à Cadeira Sagrada de Runária.

     Elbron, o temerário, levantou-se e, sob o olhar reprovador dos demais ocupantes da sala, denotando desprezo pelo ato de sua rainha e mãe, foi o primeiro a se posicionar na marca dos candidatos ao Trono Superior. À medida que assinava o decreto, cada rei, rainha, príncipe ou princesa das mais diversas raças - Humanos, Elfos, Ninfas, Feiticeiros, Anões, Xunguizins, Trasgos, Gigantes, Bardos, Dismeons e Habacuques, incríveis seres diplomáticos, de aparência humana, mas com um enorme par de asas retráteis nas costas, bem como o ancião representante do Conselho Inferior, que era líder de raças ermas ou menores -, totalizando o número da perfeição runarial, doze, iam achegando-se à frente da tribuna.

     - Povo de Runária - clamou o nobre casto Athlas -, eis aqui, diante de vós, os doze membros legais do Conselho Superior: dos Humanos, o príncipe Elbron; dos Elfos, o rei Aminradh; das Ninfas, a rainha Janass; dos Feiticeiros, a princesa Assinevrad; dos Anões, o rei Aitube; dos Xunguizins, o rei Ieuiá; dos Trasgos, o príncipe Zaduck; dos Gigantes, o rei Oromedon; dos Bardos, o rei Amadeus; dos Habacuques, o rei Eleakim; dos Dismeons, a rainha Mileani; do Conselho Inferior, o ancião e rei Xinrode.

     Os representantes reais do Conselho Superior e candidatos ao Trono Sagrado posicionaram-se, conforme as leis de Runária, para ouvir as regras da eleição.

     - Segundo o Livro da Integridade do Reino de Runária, é terminantemente proibido que um candidato ao Trono Superior vote em si - recitava Athlas. - Assim, cada membro deverá votar em um único representante de raça diferente e depois lacrar o voto com o selo de seu próprio Brasão. Que fique registrado o início da votação secreta. 


___________________________________

Autor: Isie Fernandes.
Adaptação:
Revisão: (aguardando)
___________________________________



0 Comments to "CAPÍTULO II (parte II)"

Postar um comentário

Comente, participe desse projeto você também.